COMBATENTES DA GRANDE GUERRA DE 1914/1918 DA ALDEIA DE OUTEIRO SECO
Na continuação da nossa divulgação dos combatentes da Grande Guerra, referentes à aldeia de Outeiro Seco, hoje será a vez do soldado Filipe da Ascensão, mais conhecido na aldeia pela alcunha: “O Ranheta”.
Talvez o amigo leitor não saiba que o Filipe da Ascensão não era filho natural de Outeiro Seco, mas sim outeiro secano por adoção. Afim de evitarmos maus juízos, amigo leitor, vamos verificar o seu assento de batismo que nos diz o seguinte:
Assento nº. 41 do Livro de batismos da Freguesia de Santo Estevão e referente ao ano de 1893.
“Aos quinze dias do mês de Outubro do ano de mil oitocentos e noventa e três, na capela de Nossa Senhora das Neves do lugar de Vila Verde desta freguesia de Santo Estevão, concelho de Chaves, batizei solenemente um indivíduo do sexo masculino, a quem dei o nome de Filipe
Que nasceu às nove horas da noite, filho legítimo de Bernardino da Ascensão natural do lugar de Dadim, freguesia de São João da Castanheira, e de Maria Rodrigues natural de Vila Verde, jornaleiros, neto paterno de António Carneiro e de Alexandrina Rosa, e materno de Jerónimo Rodrigues e Joana Maria, foram seus padrinhos José Teixeira, Soldado da Guarda Fiscal, e sua mulher Maria Vieira da Silva.
O abade Francisco Pires de Morais.”
Desde muito jovem, o Filipe veio para Outeiro Seco trabalhar para a família Montalvão como jornaleiro. Seria em Outeiro Seco que mais tarde iria iniciar a sua vida. Cedo começa o namorico com a Júlia Correia Branco, esta natural de São Tiago de Vilarelho da Raia, era serviçal (criada) da família Montalvão.
Fotograma de filme propriedade da família Montalvão Cunha gentilmente cedido por Luís Montalvão
O Filipe iniciou o cumprimento dos seus deveres militares no ano de 1916 e será nesse mesmo ano, no dia 28 de Dezembro, que casa com Júlia Branco, mas a jovem Júlia só tinha 17 anos de idade, pelo que foi necessário o consentimento dos pais da noiva.
Realizado o casamento, o casal passa a viver perto do Solar dos Montalvões, numa pequena casa na Rua de Santa Rita ao lado da casa da senhora Delfina, também esta natural de Vilarelho da Raia.
Fotograma de filme propriedade da família Montalvão Cunha gentilmente cedido por Luís Montalvão
O Filipe continua no cumprimento dos seus deveres militares. Podemos dizer que ainda estava casado de fresco e era mobilizado para combater em França. Assim o Filipe (Ranheta), no dia 23 de Maio de 1917, embarcava no cais de Alcântara, com destino a Brest, e daí para a frente de combate. Deixava para trás a sua jovem esposa com a idade de 18 anos, recém-casada e grávida de dois meses.
As notícias, quer de uma parte quer de outra, são muito poucas. O tempo passa não há notícias do marido, Filipe também não recebe notícias da sua Júlia. São decorridos 6 meses da partida do marido. Estávamos no mês de Novembro, Júlia completava o tempo da sua gravidez e no dia 17 de Novembro dava à luz um jovem do sexo masculino a quem seria dado o nome de Filipe.
O marido lá longe nada sabia, as notícias eram muito morosas. Seria este recém-nascido a felicidade daquela jovem mãe, mas talvez por azar do destino, essa felicidade viria a transformar-se em tristeza. No dia 27 de Novembro de 1917, pela 1 hora da tarde, o Filipe (filho) acabaria por falecer com apenas 10 dias de vida e toda a felicidade daquela jovem mãe desaparece como uma golfada de fumo.
O marido na frente de combate desconhece a sorte do seu filho e da sua esposa. A mágoa toma conta daquela jovem mãe. Foi o único filho do casal, ambos faleceram sem deixar descendentes.
Vamos agora, meus amigos, falar do combatente Filipe da Ascensão (Ranheta). Na nossa investigação verificámos o Boletim do CEP, assim como várias listagens, onde apurámos que se encontrava na freguesia de Santo Estevão.
No seu Boletim do CEP consta o seguinte:
Era soldado do Regimento de Infantaria 19, pertencia à 1ª. Companhia do 2º. Batalhão e ao 2ª. Depósito de Infantaria sendo o soldado nº 542, correspondendo-lhe a placa identificativa nº 64248, era casado com Júlia Correia Branco, e filho de Bernardino da Ascensão e de Maria Rodrigues, natural de Vila Verde de Santo Estevão, embarcou no cais de Alcântara, no dia 23 de Maio de 1917 com destino a Brest. Foi colocado na frente de combate no 4º Batalhão de Morteiros Ligeiros, em 24 de Julho de 1917.
Depois foi colocado no 1º Batalhão de Metralhadoras Ligeiras em 6 de Novembro de 1917.
Toma parte na célebre batalha de La Lys. Pela ordem de Serviço 13.1 afim de ser aumentado ao efetivo do B. em 6/11/1918.
Foi repatriado com a unidade no navio “Ovita” em 13 de Fevereiro de 1919. Desembarcou em Lisboa no cais de Alcântara em 16 de Fevereiro de 1919.
Regressou a Outeiro Seco são e salvo com pequenas mazelas que o iriam acompanhar durante toda a vida.
Foi na sua aldeia adotiva que o Filipe iniciou a sua nova vida, juntamente com a sua esposa, dedicando-se à agricultura e a umas jornas que iam aparecendo.
Quem conheceu o Filipe Ranheta só pode ter boas recordações, era uma pessoa pândega, gostava da brincadeira. Eu fui um dos afortunados, pois ainda o conheci. Foi o único combatente que conheci. Dele recordo o cantar dos Reis à sua porta. Por altura das matanças mandavam-me a casa dele com um saco. Quando chegava pedia-lhe as pedras para lavar o porco. Uns meses antes do carnaval dizia à garotada da aldeia “Tenho lá o arranca-pinheiros”, “Tenho lá o salta-paredes”, “Tenho lá o arrasa-montanhas”, e toda a garotada tinha medo. Dizia que já tinham comido “X” quilos de batatas e carne e lá ficávamos à espera do dia de Carnaval para ver.
Toda esta vida de martírio e nada fácil para o Filipe Ranheta, acabaria no dia 4 de Agosto de 1970. Terminava assim a saga de mais um combatente da Grande Guerra.
João Jacinto
Consulta:
Arquivo Militar
Listagens de genealogia
Livro Batismos de Santo Estevão
Livros de Outeiro Seco
Informações orais
Pesquisa e textos remetidos pelo Sr. João Jacinto.
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