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Sexta-feira, 20 de Agosto de 2010

"No Outeiro das lembranças" - "Procissões - porquê?!"

Procissões – porquê?!

 

Para além destas, muitas e variadas poderiam ser as páginas de memórias de um povo. Farrapos de imagens, de luz, de sons, de palavras que só alguns guardam no mais íntimo do seu ser. Esses esperam ansiosos que alguém os faça reviver, com alegria, os momentos guardados na memória, que, pelo simples facto de terem existido, deveriam ser valorizados, pois são eles a identidade de um povo. Mas, lamentavelmente, muitos deles caem no esquecimento ou perdem-se ao serem levados com o último suspiro.

Cabe-nos a nós, que ainda gozamos da confiança dessas arcas repletas de conhecimento e de saber, colhermos, reproduzirmos, e divulgarmos aquilo que é de todos, que é tanto e tão pouco como a memória do nosso povo.

Era meu dever escrever sobre um dos momentos, entre tantos outros, recordados – as procissões, porque tive o privilégio e a oportunidade de entrar nesse mundo das recordações ao ouvir algumas histórias que me forneceram informações preciosas sobre as fotografias e sobre o tema em apreço.

 

 

 

 

 

Essas histórias foram protagonizadas pelas gentes da nossa terra, que a amam e a não esqueceram.

Agradeço à minha Tia Quinhas Alferes e ao Tio Hélder, por me deixarem digitalizar e tratar as fotografias de sua propriedade, ao Sr. Zé do Forno, pelos conhecimentos inesgotáveis sobre todas as matérias, à Sra. Henriqueta e ao Sr. Anselmo, que, por que não dizê-lo, me surpreendeu com uma memória prodigiosa e por ser um dos protagonistas das fotos em questão e, por último, mas não com menos importância, aos meus pais, Adélia e Berto Alferes, a quem sempre recorria para conhecer e aprimorar os pormenores.

Em relação às procissões, ninguém saberia dizer quando começaram, mas podemos encontrar vários relatos no Antigo Testamento.

Na definição mais comum, procissão é uma manifestação pública de fé e da piedade popular cristã, conduzida pelo Clero, deslocando-se ordenadamente de um lugar a outro, promovendo a devoção dos fiéis, comemorando os auxílios de Deus e dar-lhe graças, ou para implorar o seu amparo.

 

 

 

 

 

A procissão de Nossa Senhora da Azinheira sempre foi um vivo exemplo dessa manifestação pública de fé ou de piedade popular cristã.

Também há quem considere as procissões actos de idolatria, por adorarem os Santos e a Virgem, tal como os judeus, que foram libertados do Egipto, adoraram o bezerro de ouro no Monte Sinai, enquanto Moisés recebia de Deus os Dez Mandamentos.

Outros justificam-se dizendo que os peregrinos não têm adoração, mas sim devoção, no entanto adorar e venerar são sinónimos com origens diferentes: um é do grego e o outro do latim. Mas as duas palavras significam a mesma coisa: prestar culto ou homenagem a uma determinada figura, pessoa ou imagem.

No fundo, penso que se trata de uma falsa questão. As procissões são abertas por Jesus Cristo, a Virgem e os Santos seguem-nO. Os Santos e a Virgem Maria foram exemplos de vida a serem seguidos, foram pessoas que viveram a sua fé de maneira exemplar, deixando-se guiar pelo Espírito de Deus e foram sinais da presença de Deus na terra.

Em Outeiro Seco, várias são as procissões, a título de exemplo:

- a procissão de São José, realizada no dia 13 de Março, que, entretanto, deixou de realizar-se;

- a procissão da Via Sacra, efectuada cada ano, na Sexta-feira Santa, de manhã;

- a procissão de São Miguel, padroeiro de Outeiro Seco, invariavelmente realizada no dia 29 de Setembro de cada ano. Sobre a procissão da festa em honra de São Miguel, conta-se que o andor era sempre transportado à cabeça em redor da Igreja Matriz, pelo Sr. Miguel Sanches, mas, mais tarde, sendo este já idoso, tomou-lhe o lugar o Sr. Miguel Pereiro;

- a procissão das velas, realizada dia 7 de Setembro, à noite, e que precede a grande procissão de Nossa Senhora da Azinheira. Sobre a procissão das velas, quero apenas referir que o primeiro andor a ser transportado por mulheres foi o da Nossa Senhora das Dores, oferecido sempre, enquanto foi vivo, pelo falecido Capitão Cruz, que também se encarregava de "recrutar" as mulheres;

- a procissão de Nossa Senhora da Azinheira, realiza-se cada ano, no dia 8 de Setembro, por se acreditar ser este o dia de seu nascimento. Filha de Santa Ana e de São Joaquim, Nossa Senhora da Azinheira, é a padroeira de Outeiro Seco. O seu dia de festa é cada vez mais um centro de culto e de peregrinação de fiéis, que ultrapassam, desde há muito, as fronteiras da Freguesia, para Lhe prestarem a sua devoção. Esta tem, sem dúvida, sido o palco de uma das mais populares e genuínas manifestações culturais de cariz religioso do concelho de Chaves.

 

 

 

 

 

Com o passar do tempo, veio também o exagero e certos atractivos de cariz popular e turístico, que se tornaram mais apelativos para os fiéis. Refiro-me aos milhares de euros que, literalmente, se queimam em fogo-de-artifício, apenas por vaidade ou rivalidade com outras aldeias.

Nossa Senhora da Azinheira, certamente, agradeceria que esse dinheiro fosse aproveitado para obras de restauro de outras capelas, para ajudar pessoas necessitadas, ou para a “Associação Mãos Amigas”, ou não?!

O dia da festa em honra de Nossa Senhora da Azinheira, desde os tempos em que a fome ainda se sentava à mesa dos nossos antepassados, havendo alguns rijos, que resistem ainda entre nós, era sempre planeado com muita antecedência pela rapaziada, que, para além de ter, nesse dia, um dia de folga, sem dúvida merecido, também, delineava mil e um artifícios para se aproximar das suas miúdas!

A aldeia engalanava-se, as janelas e varandas eram enfeitadas com bonitas colchas que, estendidas, ondulavam com a leve brisa que o estio de Setembro permitia.

Era uma manifestação singular do Sentir de um povo!

Era a voz da Fé que se renovava ano após ano!

Era a força e o fervor da Tradição!

A história que as fotografias nos contam é muito interessante e esta, quase na sua totalidade, brotou do Sr. Anselmo, como se estivesse a reviver esses momentos. Eu, estupefacto, limitei-me a ouvi-lo, a tomar notas e só raramente me atrevia a interrompê-lo para lhe fazer uma pergunta.

 

 

 

 

Aqui fica, para todos, um pedaço da nossa História.

As fotos remontam a 1957 e foram uma encomenda.

Essa encomenda foi feita pelo Sr. António Maria Sousa, que, em 1912, partiu para o Brasil à procura de melhor vida e de onde nunca mais regressou. Do dinheiro dessa viagem ficou como fiador o seu amigo João Júlio Alves (João Alferes - "velho" e meu bisavô).

O Sr. António Maria Sousa era irmão da Sra. Maria Adelaide de Sousa, mãe do Sr. Anselmo e casada com o Sr. Francisco Júlio Alves (irmão do referido João Alferes).

Assim sendo, o Sr. Anselmo era sobrinho do Sr. João Alferes e um, como sobrinho, e o outro, como amigo, estiveram incumbidos da tal encomenda.

A encomenda do Sr. António consistia em oferecer quatro andores na procissão de Nossa Senhora da Azinheira e que disso ficassem registos fotográficos para que à posteriori lhe fossem remetidos.

Assim, meteram mãos à obra e "justaram" os quatro andores a um armador da Madalena, por 2,5 contos.

Os quatro andores armados foram: Nossa Senhora da Azinheira, Nossa Senhora das Graças, São José e São Miguel. Importa referir que foi a primeira vez que o São Miguel foi armado para a procissão de Nossa Senhora da Azinheira, sendo que, a partir desse ano, passou a estar sempre presente.

Esse ano, pode dizer-se, marcou um ponto de viragem!

Anteriormente, os andores eram os de Nossa Senhora da Azinheira, Santa Ana, Senhor dos Passos e São José. É curioso que, quanto a este último, quando os mordomos não conseguiam dinheiro suficiente para armá-lo ou ninguém o oferecia, eram as mulheres dos mordomos que pediam novamente para o andor de São José.

O fotógrafo contratado para a encomenda foi o da Foto Alves, na Rua Direita (mas o velho! - insistiu o Sr. Anselmo).

Nesse ano, o Sr. João Alferes (velho) fazia parte da Comissão Religiosa com o Sr. Padre João Sanches, conhecido pela maioria de nós, e foi mordomo o Sr. João Alves Ferreira (João Alferes - "novo" e meu avô).

Uma grande diferença em relação aos dias de hoje é que dos andores não pendem notas, mais uma referência às dificuldades que se viviam nessa época!

 

 

 

 

Quanto aos anjinhos, carregadores e restante público, deixo a sua identificação, como exercício de memória, para os leitores.

Antes de finalizar, resta-me dizer duas coisas: a primeira é que não havia tanta dificuldade em arranjar homens para transportar os andores, porque era um orgulho levar ao ombro Nossa Senhora da Azinheira, ou outro Santo ou Santa, embora se diga que o peso dos andores, nessa época, era "ligeiramente mais pesado", mesmo assim, o Sr. Anselmo teve de arranjar dezasseis homens; a segunda é que a Banda, encarregue de alegrar a Festa, foi a Banda de Rebordondo.

Depois de concluída a Festa, o Sr. Anselmo pôde enviar ao seu Tio António os registos de que a encomenda tinha sido cumprida.

Nesses mesmos registos, podemos vê-lo acompanhado de sua mãe, Maria Adelaide, e de seu tio, João Alferes, a posarem em frente ao andor de Nossa Senhora da Azinheira.

Bem-haja por guardarem os registos fotográficos e a memória tão fresca!

 

Berto

Publicado por Humberto Ferreira às 00:01

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2 comentários:
De Fernando Almeida a 26 de Maio de 2015 às 12:41
Que diferenças! Mas este são José, nunca o vi numa procissão, igreja, ou capela de Outeiro Seco o que é feito dele???
De Humberto Ferreira a 27 de Maio de 2015 às 08:14
Bom dia Fernando,
A imagem de São josé encontra-se exposta na Igreja de São Miguel (igreja Matriz).
Um abraço,
Berto

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