“RAQUEL”
… de Stº Amaro-
Ali, na curva perigosa de SANTO AMARO, no ponto onde nasce a bifurcação para as CASAS-DOS-MONTES, havia a oficina de sapateiro do “Giestas”.
Era um lugar de parada dos que iam e dos que vinham da cidade, depois de precisarem de pôr umas tachas nas socas ou nos socos, pôr uns protectores nas biqueiras ou nos calcanhares dos sapatos ou nas botas de sola, segurar a fivela de uma alpergata ou de uma carteira de senhora.
Nos socos e nas socas também se usavam umas tiras protectoras, de borracha, aproveitadas dos pneus velhos, para aumentar o tempo de uso dos mesmos.
Era um ponto onde se deixava um recado para ser entregue a uma pessoa de outra aldeia; era o ponto onde se coscuvilhava um «cibito» e, tirando nabos da púcara, se sabiam umas “noβidades”, ora interessantes ora picantes - sacramentais ou excomungadas.
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Na esquina da ladeira para a Capela ficava mesmo a calhar a Barbearia do Alcino.
Do lado de lá da rua era o correr de duas ou três «Tascas», onde os homens chegados às portas de dentro da cidade faziam a milagrosa benzedura vínica da sua garganta e da inspiração para o negócio que lá os levava, especialmente às Quartas-feiras, Dia de Feira.
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A Ponte do Comboio, de Santo Amaro, embora em território da cidade, causava sempre a todos que por baixo dela passavam aquela sensação que se tem quando se vai da rua para o adro, da sacristia para a igreja, ou quando se entra no consultório do «senhor doutor».
Agora, deitaram-na abaixo. E do jugo romano nem lembrança há.
Logo à frente, do lado esquerdo de quem seguia para a Quinta da Fraga, havia o Campo de Futebol do FLÁVIA.
(2)
Um pouco mais adiante começava a subida para o Bairro típico das Casas-dos-Montes.
Neste, tudo era castiço. Os nomes, apelidos e cognomes das pessoas. As três Tabernas: a da Capela, a do PàraQueto e a do Branco. O Giestal: campo da bola e de recreio. O bairro Silvano Roque. O Olmo, no centro do pequeno Largo, junto à Capela. A casa da Pita Choca. Os baixos onde morava a «Laika». Na casa a fazer esquina com a rua para o Pedrete moravam os Tapiços. Na que fazia esquina com a dos Aregos, «o africano», dono da “Pensão Jaime”. Ao lado desta, as varandas floridas do sr. Júlio, «contínuo» da Escola Comercial; frente a esta, a do Tótó Neves, «contínuo» do Liceu.
O Kika, o Fediola, o Vermelhinho, o «’Strag’àtábua», o Regredo e o Fernando Piroleco eram figuras centrais do Bairro.
Próximo da Capela, na rua que vai para a fonte, a Barbearia do Zeca Peneda, especialmente concorrida nas noites de sábado, a fazer lembrar os areópagos atenienses - só que o tema de com que cidade se iria fazer a guerra ou se ajuizava das estratégias de Péricles era substituído pela análise dos ares que vinham da Galiza, da corrente dos ventos, da fase da Lua, da invasão do escaravelho da batata, do míldio na vinha, ou do preço das peles de coelho, de cabrito, de cordeiro ou de raposa.
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Nos dias de maior invernia, o Monte da Forca, ali ao cimo do apeadeiro da Fonte Nova, fazia lembrar o Monte dos Vendavais: a pequena floresta de pinheiros atraía a chuva mais tempestuosa, o vento mais violento e os relâmpagos e trovões mais estrondosos.
Mas no tempo quente concedia uma rica sombra fresquinha, ao Lelo e ao João da Tia Olinda, mai-lo Neto da Tia São que, desde «a cidade» aí se deslocavam para o almoço - não, que se tinha que se chegar a tempo e horas à oficina e às aulas!
A Fonte Nova era o mais célebre Apeadeiro das Partidas e das Chegadas que há no mundo!
O comboio, desde aí, deslizava em bitola de saudade, na Partida; e na de palpitante alegria, no Regresso.
Ao cimo da Azenha do Agapito, o rio era atravessado numa barca para o lado da «Freciana». A Ponte Nova, afundou a barca. No «Poço» continuou a aprendizagem da arte de bem mergulhar e «caçar» peixes debaixo dos rebolos, e, a seguir à “presa”, as lavadeiras punham à cora a roupa que esforçadamente lavavam.
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Os mais gandulos afincavam-se na pesca de trutas e enguias, mal as pressentissem.
Aí, à Fonte Nova, chegava a recta de Santo Amaro, já dita «Estrada de Braga», onde os Minis e os «Cupers» (Coopers), depois de uma curva bem feita, ou de um ou dois piões na Curva de Santo Amaro, onde se desviavam da entrada para a apertada curva que antecedia a «Ponte do Comboio», roncavam até mais não, com a ambição de baterem o recorde mundial de velocidade!
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Chegou o tempo das “Avenidas Novas”. A cidade conservou as ruas e os Jardins. Continuou linda e interessante.
Invadiu-a o cimento armado.
(2)
Os Pássaros e as Pombas assustaram-se. Tal como os Gatos e as Gatas, abandonaram as ruas, a margem do Ribelas e os pombais.
Para não se lhes notar tanto as carrancas das suas trombas, os noitibós e os pavões atacados por ornitose, destruíram os canteiros floridos e as árvores frondosas da cidade - a mando das Lojas de conveniência, ergueram altares de betão e construíram jangadas de pedra para se navegar em leito seco.
De SANTO AMARO antigo ainda restam as ruínas do casario e da ponte DO Ribelas, a Escola Primária e a ladeira para a Capela.
Pelo ar ainda ecoa o trinado da voz de sonho da RAQUEL!...
M.,, 20 de Julho de 2012
Luís Henrique Fernandes
Notas:
(1) Postal da Tipografia e Papelaria Mesquita - Chaves
(2) Propriedade e detenção dos direitos de autor - Humberto Ferreira
castelo de monforte de rio livre
Águas Frias - Rio Livre - Tino
Rêverie Art - Fernando Ribeiro
Sítio das Ideias-Lamartine Dias
Andarilho de Andanhos-S. Silva
Asociación Cultural Os Tres Reinos
Amnistia Internacional - Chaves
Amnistia Internacional - Blogue
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RuinArte - Gastão de Brito e Silva