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Sábado, 28 de Dezembro de 2013

Contributos - Romeiro de Alcácer - “Massa fiada”

 

Massa fiada

 

 

Desceu a ladeira em passo apressado.

 

Ia às compras. E a mãe calculou-lhe o tempo de demora.

 

Como ansiava por estar um momento, fugaz que fosse, com o seu amor!

 

Contou pelos dedos os minutos, ou os segundos, que podia poupar no sapateiro, onde as socas ficariam para deitar umas tachas; no Correio, onde ia mandar uma carta por avião para a Tia que estava no Brasil; no «Mocho», onde ia comprar um metro e meio de plástico para forrar o «louceiro»; e no Zé da Loja, donde levaria um kilo de açúcar, dois de sal, três de massa pevide, dois de arroz e um de massa fiada.

 

 

Aquele quarto de hora de avanço podia muito bem dar-lhe para bater à porta da amiga da Quinta da Fraga. Dar-lhe-ia as «boas – tardes» e receberia o cântaro com que iria à mina buscar-lhe água. Era o sinal de que logo na esquina lá estaria «o amor da sua vida».

 

Dobrado o muro, o cântaro ficava pousado no chão. E os dois ficavam derretidos num tão apertado abraço e a comerem-se de beijos, sôfregos e doces!

 

Traçavam-se pela cintura. E lá seguiam até à fonte, trocando olhares, beijinhos e promessas de amor.

 

Enquanto o cântaro se enchia vagarosamente de água, deitados no chão de ervas secas, saciavam-se de amor e de saudades.

 

O tempo era contado pelo palpitar dos corações.

 

A hora da despedida era assim adivinhada.

 

 

Não se podia deixar que a mãe desconfiasse de nada.

 

A «Guerra em África» arrebanhava os mancebos a qualquer hora.

 

A ele afligia-o a incerteza do regresso.

 

Partiu para «o Ultramar».

 

Voltaram a ver-se quarenta anos depois!...

 

Romeiro de Alcácer

 

 

Publicado por Humberto Ferreira às 00:05

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Sábado, 21 de Dezembro de 2013

Contributos - Romeiro de Alcácer - “Credo em Cruz!”

 

“CREDO EM CRUZ!

 

Novembro ainda não findara.

 

Estava um dia de sol de Outono com um frio gelado de Inverno.

 

O conforto do astro-rei era uma tentação, fazia-nos sair à rua para o apanhar.

 

 

Logo nos colhe de surpresa a traição do vento norte, que, mesmo fraco, nos gela as mãos e a cara, e nos põe lágrimas nos olhos.

 

Cem passos dados pelo passeio, e chegaram para obedecermos à intimação do frio e regressar a dentre – paredes.

 

A meia volta deu-nos um susto. O vulto que se cruzou connosco nem soubemos se era corpo ou sombra.

 

O nosso passo de volta cruzou-se com o seu passo de ida.

 

Só foi tempo de lhe apanharmos o rosto.

 

Voltámos a cabeça. O cabelo, o corpo e o andar eram o dela.

 

O espanto tolheu-nos o passo. Ficámos parado a vê-la afastar-se.

 

Credo em cruz!

 

Desapareceu na esquina da rua com o mesmo perfil e aprumo com que se cruzou connosco.

 

Nem um leve voltar de cabeça; nem um gesto mais amplo de um braço, nem um passo mais largo, ou estreito ou menos acertado, a dar sinal de nos ter reconhecido.

 

 

O sol pareceu rir-se de nós, e o frio ficou mais gelado!

 

Chega de recordação! Chega de saudades!

 

Memória, por que não te apagas?!

 

 

Romeiro de Alcácer

 

Publicado por Humberto Ferreira às 00:05

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Sábado, 27 de Julho de 2013

Contributos - Romeiro de Alcácer - “A rosa de Gabilondo”

 

“A rosa de Gabilondo“

 

 

O amor floriu no coração daqueles jovens.

 

As sombras medievais ainda ocupavam o céu das mentes de pais ibéricos já em pleno século xx.

 

Às dez da noite, a filha já prometida – noiva – tinha de estar porta – de – casa – dentro.

 

Passavam cinco minutos das dez.

 

 

O pai andaluz, em apoplexia de melindre, - Oh! Infame falta de respeito! – assomou-se à porta e “ralhou “ com mais barulho que o pai do céu.

 

Ela, banhada em lágrimas.

 

Ele, encharcado de humilhação.

 

Mas ambos aguardaram com acalentada esperança o momento de ser reconhecido e abençoado o seu direito à felicidade.

 

E foram felizes!

 

E a doença invejou-os. Atacou Maitê.

 

 

 

A dor e a angústia pelo sofrimento da sua querida combatia-a o basco com a fé e as preces à Virgem.

 

Certo dia, mandou, o basco, um ramo de rosas vermelhas ao deão da Igreja de N. Senhora de....

 

Maitê subiu ao reino dos anjos.

 

No dia da procissão das Festas em honra de Santa Marta, o andor, sempre tradicional e igualmente enfeitado, levava uma rosa vermelha.

 

 

Qual gota de sangue caída da chaga da mão de Jesus, sobressaía dos lírios que adornavam o sopé da imagem.

 

Aquela rosa tocou os olhos e o coração de todos quantos olharam o andor.

 

Alguns anos após, o deão – amigo fez entender ao “coração-saudoso” da “sua Maitê” o simbolismo, a espiritualidade, a eloquência daquela rosa que todos os anos está no andor de Santa Marta.

 

É a Rosa de Gabilondo!!!

 

Romeiro de Alcácer

 

 

Publicado por Humberto Ferreira às 00:05

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Sábado, 6 de Julho de 2013

Contributo - Romeiro de Alcácer - “Não te absolvo!”

 

Não te absolvo!”

 

 

Era jovem. Ainda mal entrada na adolescência.

 

 

Do grupinho das suas amigas havia uma já mais crescida, quase mulher, a namorar com um rapaz que até já ia a sua casa.

 

 

O povo falava. O padre desconfiava.

 

 

Um dia “correram os banhos” pela Freguesia.

 

 

A sua amiga mais crescida, quase mulher, ia casar com o namorado que até já ia lá a casa dela.

 

 

A mais crescida convidou as amigas para o casamento.

 

 

 

O padre avisou a Aninhas para não ir a essa festa.

 

 

A Aninhas não deu ouvidos ao padre.

 

 

Algum tempo depois era Dia de Confissões.

 

 

A Aninhas foi confessar-se.

 

 

Ajoelhou-se junto ao confessionário. Benzeu-se. Rezou o acto de contrição. E, quando ia para abrir a boca para os pecados saírem, só teve tempo pra se levantar e sair da Igreja a chorar.

 

 

Foi o espanto entre crentes, beatas e pecadores arrependidos.

 

 

Derreada com as inquietações e as perguntas de todos, respondeu-lhes:

 

     - o senhor padre , mal levantou os olhos do breviário, olhou para mim e disse-me:

 

 

     -“Desaparece-me da vista! Não te dou a absolvição”!

 

 

Assustados, todos recuaram ao mesmo tempo. E bradaram:

 

 

     -“Credo in cruz, santu nome de jAsus”!

 

 

Mas “atão”?!... - exclamaram com tremendo espanto e em uníssono.

 

 

E a Aninhas, lavada em lágrimas, tolhida pela vergonha, aflita com os soluços, foi soletrando:

 

 

     -“O senhor padre disse que não me absolvia porque eu lhe tinha faltado ao respeito por ter ido ao casamento da Laida”!

 

 

No adro, encostado a uma das tílias, estava o Júlio Tralhão, jovem espigadote, estudante no Liceu, e que até «tinha andado no Seminairo» até ao 4º ano. Fazia horas, à espera da «sua» Tina.

 

 

Desatinado com o que acabara de «ber e de oubir», levanta a voz e atira para os crentes, beatas e pecadores arrependidos:

 

 

     -“Ah! Afinal não é Deus quem dá absolvição aos pecados! É o padre, conforme se sente satisfeito ou consolado nas suas vontades, desejos e caprichos!"

 

(1)

 

Pecadores arrependidos, beatas e crentes “meteram o nariz no chão “ e foram cada um para seu lado.

 

 

Passados alguns dias, o padre foi de visita a casa dos pais da Aninhas.

 

 

Apetecera-lhe uma boa merenda e uma boa pinga.

 

 

Nada como ir a casa dos pais da Aninhas, claro está!

 

 

Respeitoso e servil, o pai da Aninhas lá ia enchendo o copo ao padre e empurrando para a gula deste mais uma rodela de salpicão, outra de linguiça e duas fatias de presunto, depois de uma alheira frita na sertã e duas assadas nas brasas da lareira já estarem bem acamadas no papo do cura.

 

(2)

 

 

Quando o pai da Aninhas teve de ir buscar mais uma caneca de meia canada ao pipote especial, aproveitou para passar pela varanda, onde estava a Aninhas em conversa com umas amigas e com homens e mulheres a cuidar dos trabalhos no quinteiro.

 

 

O Ti Zé da Eira disse à filha:

 

 

     -“Bá! Faz as pazes com o senhor padre. Bai à adega buscar um copo de binho e ofrece-lho”.

 

 

     - “Nem um copo d’Água”! - gritou, alto e bom som, a rapariga.

 

 

Os homens e as mulheres no quinteiro e as amigas na varanda escutaram o que disse o pai d’Aninhas e ouviram o grito da moçoila.

 

 

E por toda a Aldeia se espalhou o som das palmas que as da varanda e os do quinteiro desataram a bater!

 

 

 

Romeiro de Alcácer

  (1) e (2) - Fotos de Tiago Ferreira. Tratamento digital, Berto Alferes.

 

Publicado por Humberto Ferreira às 00:05

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Sábado, 22 de Junho de 2013

Contributo - Romeiro de Alcácer - “Par’Além dos meus olhos!"

 

“Par’Além dos meus olhos!

 

 

Descia a encosta das “Carvalhas” com a pressa da pontualidade, com a angústia do teste, com o consolo da torrada de pão centeio e da caneca de cevada feitinhas pela Avó, e com a esperança de se encontrar, no cair do dia com a cachopa do seu encanto.

 

No lusco-fusco mais carregado pela sombra das árvores da rua, ou no virar da esquina de onde não se visse vivalma a assomar da curva mais próxima, roubava um beijo trocado, carregadinho de alento para mil sonhos e projectos.

 

 

Era no tempo em que o amor era proibido, o beijo pecado mortal e o sonho condenado a degredo.

 

Um palmo de terra era riqueza, e um diploma coisa estranha para a maioria dos filhos de deus.

 

E Angola desenhava-se no horizonte imediato da carreira dos mancebos.

 

No final do dia, a ida à fonte, a buscar um cântaro de água fresca para se fazer a ceia, eram as «trindades» do arrulho, do xi - coração apertadinho com o brilho do arco-íris do olhar, do “amo-te” sussurrado pelo silencioso sibilo de uma boca feita coração, e do sinal de que nem o luar, o nevoeiro ou o relento impediriam o beijo e o abraço de promessa, antes da luz da vela ou da candeia se apagar.

 

 

A mãe não aprovava.

 

O pai, contrariado, aprovava a mãe.

 

Ele era bom rapaz!

 

Ela era boa rapariga!

 

Trinta anos passados, o rapaz encontrou-se com os pais da rapariga.

 

- “É a Vida! É a Vida!” - disse–lhe o pai, a enganar uma lágrima furtiva com um sorriso de bondade.

 

Um cântaro de consolos encha o coração dessa cachopa!

 

Para além dos meus olhos!...

 

Romeiro de Alcácer

 

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